Electroma: nova descoberta que pode revolucionar o tratamento do câncer.

Nas últimas décadas, a pesquisa científica tem se concentrado no estudo de três sistemas principais do corpo humano: o genoma, o proteoma e o microbioma. O genoma representa a informação genética completa de um organismo, enquanto o proteoma consiste nas proteínas produzidas pelos genes. O microbioma, por sua vez, é o ecossistema de micro-organismos que habitam o corpo e desempenham um papel fundamental na saúde.

A bioeletricidade, também conhecida como electroma, é a forma pela qual as células do nosso corpo se comunicam por meio de sinais elétricos. Compreender e intervir nesse processo é fundamental para tratar doenças como o câncer. A bioeletricidade é gerada pelos íons presentes nos fluidos do corpo, que geram uma corrente de baixa potência. Esses sinais elétricos são essenciais para o funcionamento do organismo, permitindo a comunicação entre diferentes partes do corpo. A rede bioelétrica segue os princípios da lei de Ohm e utiliza canais iônicos para conduzir a corrente elétrica. Apesar de menos estudada em comparação ao genoma, a bioeletricidade apresenta uma única lei fundamental que se aplica a todos os sistemas do corpo humano. Desde neurônios e músculos até células cancerígenas, todas as células e tecidos utilizam o mesmo processo de comunicação elétrica.


O câncer Ao considerarmos a aplicação da bioeletricidade para conter o avanço do câncer, o tratamento inovador desenvolvido por Djamgoz está relacionado à transmissão dos sinais elétricos no corpo.

Como mencionado anteriormente, os íons (átomos com carga elétrica) usam canais iônicos para entrar e sair das células. Esses canais iônicos, presentes nas membranas celulares, funcionam como portões que se abrem para permitir a passagem dos íons.

No caso do câncer, que é essencialmente uma doença caracterizada pelo crescimento e propagação descontrolados das células, os canais iônicos desempenham um papel fundamental no controle da proliferação e migração das células, como explica o professor.

Graças às pesquisas iniciadas pelo especialista nos anos 90, ele e sua equipe fizeram uma descoberta reveladora: as células cancerígenas se tornam agressivas quando estão “eletricamente excitáveis”. Essa descoberta é significativa porque, segundo o professor, “o problema do câncer não é ter um tumor. É possível viver com um tumor, desde que seja localizado. O problema surge quando o câncer se espalha, um processo conhecido como metástase”.

Djamgoz descobriu que a chave para interromper esse crescimento hiperativo é fechar os portões elétricos das células, ou seja, bloquear os canais iônicos, especialmente os canais de íons de sódio, responsáveis pela “excitação elétrica” que impulsiona o crescimento do câncer.

Por meio do uso de medicamentos que bloqueiam esses canais, o professor conseguiu interromper a proliferação e a propagação de células cancerígenas em animais. O próximo passo é realizar testes em seres humanos, um processo muito mais complexo.

No entanto, ele acredita que já existem indícios de que essa técnica também possa funcionar em humanos. O especialista em ciências biomédicas William Brackenbury, ex-aluno de doutorado de Djamgoz e atualmente na Universidade de York, no Reino Unido, publicou um estudo em 2022 que analisou informações de 53.000 pacientes com câncer de mama, próstata e cólon.

Entre esses pacientes, cerca de 150 também tinham angina crônica, uma doença cardíaca tratada com um medicamento chamado ranolazina, que bloqueia os canais de íons de sódio em condições de baixo nível de oxigênio. Essas mesmas condições são encontradas em tumores em crescimento. Segundo o especialista, “medicamentos como a ranolazina podem transformar cânceres agressivos em tumores benignos, ou seja, sem metástase, permitindo que os pacientes vivam com o câncer de forma crônica, como acontece com o diabetes. Isso também elimina os efeitos colaterais tóxicos e indesejáveis de tratamentos como a quimioterapia”.

Djamgoz patenteou seu tratamento contra o câncer usando bloqueadores de canais de íons de sódio em vários

países, incluindo o Reino Unido, Japão, Canadá, Austrália e Estados Unidos.

Além do câncer, a bioeletricidade também possui potencial para outros usos médicos. A mesma “excitação elétrica” que impulsiona o crescimento das células cancerígenas pode ser aproveitada para a cura de feridas. Quando uma ferida ocorre, a corrente elétrica atrai células reparadoras, como macrófagos e fibroblastos, que ajudam no processo de cicatrização. Estudos mostraram que o estímulo elétrico pode acelerar significativamente a cura de feridas difíceis, como escaras e até mesmo fraturas ósseas.

No entanto, mesmo com o enorme potencial da bioeletricidade, existem razões pelas quais essas técnicas ainda não estão amplamente sendo aplicadas na prática médica. O professor Djamgoz aponta três principais motivos. Em primeiro lugar, existe uma certa resistência e conservadorismo na área médica quando se trata de adotar abordagens não convencionais. O medo de cometer erros e o apego a métodos tradicionais são fatores que influenciam essa resistência.

Em segundo lugar, a falta de financiamento é um obstáculo significativo. Muitas vezes, os tratamentos convencionais têm mais apoio financeiro e as grandes empresas farmacêuticas podem não estar interessadas em desenvolver medicamentos mais baratos baseados em bioeletricidade.

O terceiro motivo apontado pelo professor é o conhecimento limitado sobre física por parte dos médicos e biólogos. Embora tenham um entendimento básico da eletricidade, muitos profissionais de saúde podem sentir uma falta de conhecimento específico sobre as reações celulares à eletricidade. Além disso, a falta de ferramentas padronizadas e protocolos claros também dificulta a adoção generalizada dessas técnicas.

No entanto, os especialistas concordam que o campo da bioeletricidade possui um potencial imenso e que o financiamento nessa área está crescendo. Embora haja desafios a serem superados, é uma questão de tempo até que essas abordagens sejam mais amplamente aceitas e utilizadas na prática médica. À medida que a pesquisa avança e novas tecnologias são desenvolvidas, é provável que a eletricidade desempenhe um papel cada vez mais importante na cura de doenças e na promoção da saúde.

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